Está sendo orquestrado na Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ) o maior golpe na república brasileira desde o
primeiro de abril de 1964. E há uma enorme relação entre ambos (em tempo: não
acho que passará em plenário)
Em
votação simbólica, a CCJ aprovou um projeto de emenda constitucional que, na
prática, acaba com duas prerrogativas do Supremo Tribunal Federal (STF). O
controle constitucional e com a súmula vinculante, uma espécie de
jurisprudência que obriga decisões de outras instâncias no mesmo sentido.
Segundo
a PEC, o STF só poderia declarar a inconstitucionalidade de uma lei por uma
maioria de 4/5 dos votos, uma quase unanimidade. Além, esta declaração ainda
teria que ser aprovada pelo Congresso depois da decisão do Supremo.
Ou
seja, se a PEC for aprovada teremos um Guardião da Constituição e um Guardião
do Guardião da Constituição.
Em
outras palavras. Curto-circuito. O legislativo se arvorará a julgar se as leis
que ele criou são ou não legais. Curioso desenho. O congresso faz uma lei, o
STF declara que é inconstitucional, o Congresso – que a fez – reitera sua
constitucionalidade.
Neste
caso de conflito, decidiria o povo. Em um primeiro
momento, parece interessante. Mas o povo aparece sempre como último
refúgio. É preciso ter muito cuidado com a defesa da democracia direta ou
plebiscitária. Como já sabia Sócrates, pode ser converter em uma tirania da
maioria, e isso significa por em riscos as minorias.
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De
maneira estabanada, e politicamente orientada, alguns analistas atribuíram este
ataque da CCJ à retaliação por conta do julgamento do “Mensalão”. É preciso
muita imaginação e criatividade para enxergar em um Projeto de Emenda
Constitucional que versa sobre a súmula vinculante e sobre o foro adequado para
se declarar a constitucionalidade de uma lei algo que tenha qualquer relação
com o “mensalão”.
Matérias
distintas, prerrogativas idem.
Outros
apontam que a irritação dos deputados seria por conta da aprovação, na Corte,
do casamento igualitário.
Aqui
temos um ponto. O proponente da PEC demonstrou claramente sua revolta com o STF
fazer o “papel de legislador” quando aceitou a constitucionalidade do casamento
igualitário e do aborto de anencéfalos.
Pululalam
críticas ao “ativismo judiciário” ou à “judicialização da política”.
Esta
ótica é completamente descabida de sentido. Só aqueles que querem crer na
neutralidade política da lei podem acreditar nisso. A Constituição, Carta
Magna, é antes de tudo um documento político!
Quem tem o poder de interpretá-la,
quem “guarda a constituição”, é, logo, um ator político. Quem interpreta as
normas, as cria também. E quem tem a prerrogativa de interpretação final, é, em
última instância, o legislador final.
Mas isso revela o caráter político
do jurídico, o que é inconveniente à ideologia do direito.
Assim, o Supremo Tribunal é um órgão
político e, logo, também legiferante. E o é em qualquer lugar do mundo.
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O que, então, se passa na CCJ?
Para entender é necessário, primeiro,
ver a sua composição e os votos. A proposta desta PEC veio do deputado Nazareno
Fontelenes (PT-PI), o que motivou a interpretação politicamente enviesada já
mencionada acima, por parte de uma grande revista nacional.
Acusou-se, claro, o PT. Seria um
projeto do partido para dar um golpe institucional e calar o STF por conta do
“Mensalão”. Parece que funciona para a classe média: culpe o PT por toda e
qualquer coisa.
Mas esqueceram que o relator da PEC
era João Campos (PSDB-GO), que deu parecer favorável.
Esqueceram também que foi uma
votação simbólica, o que significa um certo consenso dentro Comissão de
Constituição e Justiça. Ou seja, a PEC 33/2011 não representa um partido, o
governo ou a oposição, mas o Congresso Nacional, ou uma parte dele.
Mas a intenção do Congresso não é
nobre e nem visa reestabelecer o equilíbrio entre os poderes dado o “casuísmo”
do Supremo Tribunal. O Congresso age para aumentar seu poder e,
consequentemente, o custo de sua barganha.
Há dois vetores diferentes mas que,
curiosamente, se complementam. O vetor vertical é a tendência ao “governismo”
que é incentivado pelas regras do jogo. Dada a distribuição de recursos e uma
centralização destes em verbas com alto grau de discricionariedade. Isso faz
com que seja muito custoso pra um deputado se manter, de fato, não de direito,
na oposição.
Assim, o Executivo tem – não sem
muita negociação – uma base considerável, que lhe dá, em matérias
programáticas, garante a estabilidade do governo e a aprovação das suas pautas.
Mas há um outro vetor, horizontal,
que diz respeito apenas ao interno, ao congresso em si mesmo e não na relação
com o executivo. Neste sentido o congresso é uma instituição que transita, sem
nenhuma contradição, entre a unidade e a fragmentação.
A fragmentação é bastante
perceptível quando o olhamos na transversalidade. Bancadas de interesses
perpassam os partidos, unem políticos de partidos adversários, separam colegas.
A bancada de um estado se une para defendê-lo, os deputados do agrobusiness ou
religiosa agem, muitas vezes, contra os valores que, teoricamente, seus
partidos defendem.
Por outro lado, a unidade é dada
pela ideia de corporação, de defesa de interesses do grupo, da função. Assim,
antes de tudo, um deputado é ... deputado! Não de um partido ou de outro,
representante de um estado, uma região. Ser deputado os une, mais que qualquer
outra forma de identidade.
O que a PEC 33 significa, nesta
decomposição de vetores?
Que a Comissão de Constituição e
Justiça, auto-interessada, está tentando agir para aumentar o poder do
Congresso sobre os outros dois poderes. Por isso foi aprovado de maneira
simbólica e uniu tanta gente de partidos e intenções diferentes. Os motivos,
aqui, somam-se ao invés de se contraporem.
O Congresso quer ser a esfera
legislativa e a que controla a lei e a guarda. Ou seja, o Poder dos Poderes, a
primeira e última instância. Um "Poder Constituinte permante" (na
expressão do amigo Raphael Neves), que faz as leis e as julga procedentes.
Há, em curso, uma certa
autonomização da representação legislativa, uma mudança da sua característica.
Um processo em germe que trará consequências profundas (mas que não dá pra
dizer ainda quais), e a aprovação da PEC 33 pela CCJ, mais do que qualquer
outra coisa, revela este movimento.
Autor(es): Por Fernando Limongi
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